quinta-feira, 10 de novembro de 2016

A ligação umbilical do preconceito com a injustiça

André L. Costa-Corrêa[1]
Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou, no REsp 1.467.888, em danos morais o Padre Luiz Claudio Lodi da Cruz que, em 2005, impetrou um habeas corpus para preservar o direito à vida de um feto com síndrome Body Stalk – vez que os pais haviam obtido autorização judicial para a realização de procedimento clínico de interrupção da gravidez, sob o fundamento de que deveria ser aplicada, ao caso concreto, de forma analógica, a decisão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54, que possibilitou a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos.
Tal decisão se fundamentou na compreensão de que a impetração do habeas corpus se fez para “medrar, em seara imprópria, o corpo de valores que defende – e isso caracteriza o abuso de direito – pois a busca, mesmo que por via estatal, da imposição de particulares conceitos a terceiros, tem por escopo retirar de outrem, a mesma liberdade de ação que vigorosamente defende para si”. Compreenderam os Ministros que houve abuso de direito por parte do impetrante do habeas corpus e que tal abuso promoveu um dano moral.
O habeas corpus é, a mais de 800 anos, uma garantia “constitucionalmente” instituída para proteger ou afastar possível violência ou coação contra a liberdade ou locomoção cometida por ilegalidade ou por abuso de poder. Além disso, a Constituição Federal garante a todos o acesso ao Poder Judiciário para apreciar possível lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV), bem como assegura o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder (art. 5º, XXXIV, “a”) e, também, o contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV).
Assim, qualquer interessado pode propor, em nome daquele que esteja sofrendo os efeitos da ilegalidade ou do abuso de direito, um habeas corpus – como, por exemplo, por um Padre em defesa do direito à vida de um feto quando uma decisão judicial possibilite a interrupção de sua gestação face uma analogia ilegal e indevida de uma outra decisão judicial.
Então, o único abuso de direito cometido foi o promovido pela Turma do STJ que, sob o manto fundamentalista da laicidade do Estado brasileiro, puniu injustamente alguém que simplesmente exerceu uma garantia constitucional e buscou, pelo contraditório e ampla defesa, assegurar a defesa de direitos de um feto face possível ilegalidade ou abuso de poder.
A terrível dor dos pais pela perda de sua criança ou pela interrupção do procedimento clínico que anteciparia tal sofrimento não pode possibilitar a inversão dos valores democráticos e o afastamento de basilares garantias constitucionais – e falo isso após a perda de 02 gestações – porque não há indenização que recupere um dano ao Estado de Direito.
Ao condenado, a sociedade deveria dizer: Padre, perdoe os Ministros da Terceira Turma do STJ, porque eles não sabem o que fazem!



[1] Advogado, professor, conferencista e consultor em direito público. Coordenador e professor convidado do CEU-IICS Escola de Direito (SP). Professor e Pró-Reitor de graduação do UNICIESA (AM). Professor e pesquisador visitante na Brooklyn Law School. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e pelo CEU-IICS Escola de Direito (SP). Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) – cadeira 26. Membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo, da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro e do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO.

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