sexta-feira, 31 de maio de 2013

Minha alma engrandece o Senhor...

Há 21 anos atrás eu recebia das mãos do saudoso Dom Manoel Pestana Filho a minha ordenação sacerdotal. Era o dia 31 de maio de 1992. Nessa data a Igreja comemora a Festa da Visitação de Nossa Senhora (embora em 1992 o dia 31 de maio tenha caído no domingo da Ascensão do Senhor).
Naquele dia eu não sabia - mas Deus sabia - que meu ministério sacerdotal seria dedicado à defesa da vida, mais especificamente à defesa dos não nascidos, como João no ventre de Isabel e Jesus no ventre de Maria.
Com Maria, "minha alma engrandece o Senhor", porque de fato, "o Poderoso fez em mim maravilhas". Fez e continua fazendo.
Peço aos amigos que agradeçam a Deus comigo, que orem pela minha perseverança e santificação e que não se esqueçam de pedir para mim a graça de uma boa morte.



Hoje, visitando o portal do Ateneu Pontifício Regina Apostolorum, descobri finalmente a nota que recebi em minha tese: 9,8 pelo texto escrito e 9,7 pela defesa oral. A média ponderada ficou em 9,8. Como é grande a misericórdia do Senhor! Espero poder em  breve imprimir a tese aqui no Brasil e torná-la disponível para todos os amigos. O nome dela: "A alma do embrião humano: a questão da animação e o fundamento ontológico da dignidade de pessoa do embrião".




Uma notícia triste, que tende a fortalecer o totalitarismo petista, é a indicação de Luis Roberto Barroso para ocupar uma vaga no Supremo. O indicado reúne em si duas desvantagens: é inteligente e é mau. Durante sua carreira como advogado, destacou-se por defender causas ignóbeis: o aborto de crianças anencéfalas, a destruição de embriões humanos, a união estável de pessoas do mesmo sexo e a não extradição do criminoso italiano Cesare Battisti. No entanto - é preciso reconhecer - a defesa foi feita com habilidade. Sua retórica foi posta não a serviço da lógica, mas da sofística. Com os malabarismos mentais mais estranhos, obteve que a legalização do aborto eugênico (no caso da anencefalia) fosse feita pelo Supremo Tribunal Federal sem passar pelo Congresso Nacional. E chegou ao extremo de convencer os Ministros da Suprema Corte que a Constituição era inconstitucional (ou que o círculo não era redondo?) por não reconhecer a "união estável" entre homossexuais. Foi então que o STF agiu não apenas como legislador positivo, mas como reformador da Constituição, reconhecendo aquilo que ela não reconhece.


Ocupando uma cadeira no Supremo, Barroso terá tudo para consolidar o domínio da ideologia petista. E tudo isso com os aplausos da multidão ao "grande jurista". De fato, Dilma Rousseff não podia ter indicado nenhum outro nome mais conveniente para consolidar a invasão de competência do Congresso pelo STF.


A sabatina de Barroso pelo Senado deverá ocorrer no dia 5 de junho, quarta-feira. Usualmente, para nossa tristeza, os senadores costumam curvar-se às indicações da Presidência da República. No entanto, vale a pena ligar para o Alô Senado (0800612211) e pedir que o nome de Barroso seja rejeitado.
"Solicito a Vossa Excelência que rejeite o nome de Luís Roberto Barroso, indicado para ocupar uma vaga no STF. Como advogado, ele sempre defendeu a invasão de competência do Congresso pela Suprema Corte (por exemplo, a "legalização" do aborto de anencéfalos e da união estável de pessoas do mesmo sexo). O Congresso precisa 'zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes' (art. 49, XI, CF)".

segunda-feira, 20 de maio de 2013

À Presidência da CNBB: Nota sobre uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo


Of. 002/2013-PVA
Anápolis, 20 de maio de 2013.



À Presidência da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil


Assunto: Nota sobre uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo.

Excelentíssimos e Eminentíssimos Senhores
Dom José Belisário da Silva
Presidente da CNBB em exercício
Dom Sergio Arthur Braschi
Vice-Presidente da CNBB em exercício
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Secretário Geral da CNBB

1.                     Diante da “Nota sobre uniões estáveis de pessoasdo mesmo sexo[1], publicada em 16 de maio de 2013, uno-me a Vossas Excelências Reverendíssimas no repúdio à Resolução n.º 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a “habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo”. Sem dúvida, como bem recordou a Nota, “a diferença sexual é originária e não mero produto de uma opção cultural”. A resolução do CNJ é mais um dos frutos da perniciosa ideologia de gênero, que tende a destruir a família natural.
2.                     No entanto, segundo meu parecer, a Nota poderia ter sido mais precisa do ponto de vista terminológico, a fim de evitar ambiguidades e perplexidades nos leitores. Permitam-me Vossas Excelências Reverendíssimas que lhes exponha humildemente minhas observações ao texto.
3.                     Logo no primeiro parágrafo, diz a Nota: “Desejamos também recordar nossa rejeição à grave discriminação contra pessoas devido à sua orientação sexual...”. A Santa Sé tem evitado sistematicamente usar o termo “orientação sexual”, tão caro à ideologia de gênero. Com efeito, o homossexualismo – dado o seu caráter antinatural – não é uma “orientação”, mas uma desorientação sexual. Quanto à discriminação contra as pessoas homossexuais, o Catecismo da Igreja Católica condena-a, mas acrescenta um importante adjetivo, que não foi reproduzido na Nota: “Evitar-se-á para com eles [os homossexuais] todo sinal de discriminação injusta” (Catecismo, n. 2358). Ao usar ao adjetivo “injusta”, o Catecismo dá a entender que existem discriminações justas para com os homossexuais. E de fato há. Uma delas é a proibição de se aproximarem da Sagrada Comunhão (o que vale para qualquer pessoa em pecado grave). Outra delas é o impedimento de ingressarem em Seminários ou Institutos Religiosos. Um terceiro exemplo seria o de uma mãe de família que demite a babá que cuida de seus filhos, ao constatar que ela é lésbica... Considerar que toda discriminação aos homossexuais é injusta seria dar direitos ao vício contra a natureza.
4.                     A Nota, com razão, condena a equiparação das uniões de pessoas do mesmo sexo ao casamento ou à família. No entanto, parece admitir que tais uniões pudessem gozar de algum direito civil, excluída tal equiparação: “Certos direitos são garantidos às pessoas comprometidas por tais uniões, como já é previsto no caso da união civil”. Ora, o Magistério da Igreja tem condenado não só a equiparação de tais uniões ao matrimônio, mas qualquer reconhecimento jurídico de tais uniões:
Em relação aos recentes intentos legislativos de equiparar família e uniões de fato, inclusive homossexuais (convém levar em conta que seu reconhecimento jurídico é o primeiro passo rumo à equiparação), é preciso recordar aos parlamentares a sua grave responsabilidades de opor-se a isto...[2]

Em presença do reconhecimento legal das uniões homossexuais ou da equiparação legal das mesmas ao matrimônio, com acesso aos direitos próprios deste último, é um dever opor-se-lhe de modo claro e incisivo. [3]

Se todos os fiéis são obrigados a opor-se ao reconhecimento legal das uniões homossexuais, os políticos católicos são-no de modo especial, na linha da responsabilidade que lhes é própria[4].

5.                     No caso em tela, teria sido oportuno ressaltar – como aliás já fez a CNBB em outra ocasião – que a Igreja se opõe não só ao matrimônio, mas também ao simples reconhecimento da “união estável” de pessoas do mesmo sexo, especialmente quando isso se fez não por lei, mas por uma decisão arbitrária do Supremo Tribunal Federal (ADI 4277; ADPF 132) que atribuiu a si o papel de legislador, invadindo competência do Congresso Nacional.
6.                     Por fim – isto é apenas uma sugestão – seria conveniente sugerir ao Congresso Nacional que, por meio de um decreto legislativo, sustasse as arbitrárias decisões do STJ e do CNJ que extrapolaram sua competência e impuseram ao povo um novo “modelo” de família e matrimônio.
7.                     Com a reverência devida aos Sucessores dos Apóstolos, peço que Vossas Excelências Reverendíssimas redijam e publiquem uma nova Nota que esclareça os pontos acima apontados.

Desde já agradeço e despeço-me pedindo suas bênçãos.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis.




[2] CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A FAMÍLIA. Família, matrimônio e “uniões de fato”, 21 nov. 200, n. 16. O destaque é meu.
[3] CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 3 jun. 2003, n. 5.
[4] CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 3 jun. 2003, n. 10.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Aos amigos do "Brasil Sem Aborto" sobre o Estatuto do Nascituro

Depois de ter alertado os cidadãos sobre o perigo de o PL 478/2007 ("Estatuto do Nascituro") ser aprovado em sua versão atual, recebi do Movimento Brasil Sem Aborto uma resposta.
Segundo meus amigos, é preciso distinguir dois textos: a proposta original do PL 478/2007 e o Substitutivo da Deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), votado e aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família em 19/05/2010. Reconhecem eles que "Pe. Lodi distingue os 2 textos, mas faz referências a coisas que não estão escritas em nenhum deles, talvez tendo em mente um texto escrito por ele, mas que nunca foi debatido no Congresso".
Tentemos esclarecer as coisas:

1. De onde surgiu o Estatuto do Nascituro.

Sempre pensei em manter-me na penumbra quanto à autoria do Estatuto do Nascituro. Em 2004, quando redigi a versão original do projeto (que pode ser encontrada em http://www.providaanapolis.org.br/index.php/todos-os-artigos/item/299-o-estatuto-do-nascituro), decidi entregá-la nas mãos do deputado Elimar Máximo Damasceno (PRONA/SP). Ele apresentaria o projeto e eu apenas me encarregaria de aplaudir sua iniciativa e assessorá-lo durante a tramitação. Porém, sinto-me constrangido pelas circunstâncias a pôr em evidência que fui eu quem idealizei e redigi a versão original do Estatuto do Nascituro. Faço isso para tentar explicar por que motivo tem-me preocupado tanto os rumos tortuosos que essa proposta vem tomando. Faço isso também para tentar demonstrar que não estou alheio à proposta, mas que a acompanhei não só desde o seu nascedouro, mas desde a sua concepção (mental).

Em junho de 2004, entreguei ao deputado Elimar a sugestão do projeto que disporia sobre a proteção integral à criança por nascer: o nascituro. O deputado submeteu a proposta à Consultoria Legislativa da Câmara. Em setembro de 2004, a Consultoria emitiu um parecer no qual destruía o núcleo da proposta original. O nascituro – segundo a Consultoria – não deveria ser considerado pessoa, mas expectativa de pessoa. Além disso, ele não deveria ter direitos, mas “expectativa de direitos”. E quanto ao artigo 128 do Código Penal, que isenta de pena o aborto em duas hipóteses, ele deveria ser preservado por oferecer “maior proteção ao nascituro” (sic!).

Tendo sido informado do desastroso parecer da Consultoria, comuniquei ao deputado Elimar que seria melhor manter a versão original. No entanto, por algum motivo, no dia 01/11/2005 o deputado Osmânio Pereira (PTB/MG) apresentou o projeto, porém, não na versão original, mas naquela deformada pela Consultoria. O projeto, que recebeu o número PL 6150/2005, trazia o nome de “Estatuto do Nascituro”, mas na verdade o que fazia era negar ao nascituro seus direitos e sua personalidade, em oposição frontal ao Pacto de São José da Costa Rica (que dispôs, em seu artigo 3º, que todo ser humano - nascido ou por nascer - tem direito ao reconhecimento de sua personalidade).

Essa versão deformada foi arquivada 31/01/2007 (fim da legislatura) e desarquivada em 19/03/2007 pelos deputados Luiz Bassuma (PT/BA) e Miguel Martini (PHS/MG), desta vez sob o número PL 478/2007. Portanto, quando os amigos do Movimento Brasil Sem Aborto falam da "proposta original do PL 478/2007", estão, na verdade, falando de uma versão já deformada da proposta original por mim elaborada.
Em 30/3/2007 o PL 478/2007 foi recebido pela Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). Em 4/6/2007 foi designada como relatora a deputada Solange Almeida (PMDB-RJ).
Não sei quem assessorou juridicamente a deputada Solange Almeida a fim de que fizesse o seu relatório. Não sei se foi falado à relatora sobre a inutilidade de se reconhecer direitos ao nascituro sem reconhecer sua personalidade. Tentei comunicar-me com ela, mas não fui bem sucedido. Em 26/11/2009, a relatora emitiu um parecer favorável ao projeto, mas na forma de um substitutivo. Segundo palavra da própria deputada, o texto foi de tal modo reduzido que perdeu sua “característica de Estatuto”. Os erros mais grosseiros foram corrigidos. Desta vez, afirmava-se que o nascituro tem direitos e não meras “expectativas de direito”. Não se negava mais que o nascituro fosse pessoa, mas tampouco se ousava afirmá-lo. O substitutivo quis deixar de lado a “discussão acerca do momento do início da personalidade jurídica” (sic), o que foi um grande empobrecimento. Foi ainda excluída  toda a parte penal do projeto.
Portanto, o substitutivo da deputada Solange Almeida foi produto de um "conserto" da deplorável versão inicial do PL 478/2007, mas ficou muito longe de restabelecer tudo o que havia de importante na versão original por mim elaborada. Sobretudo o substitutivo não quis reconhecer explicitamente que  o nascituro é pessoa.
Em resumo, existem três versões do Estatuto do Nascituro:

No entanto, o substitutivo da relatora, embora bastante pobre, não oferecia ameaças ao nascituro. Poderia ser apoiado por qualquer cristão, sem escrúpulo de consciência. Infelizmente o mesmo não se pode dizer do texto após a complementação de voto da relatora. Após um enxerto por ela introduzido na última hora, o texto tornou-se não apenas inócuo, mas perigoso para a criança por nascer.

2. O  gol contra do Estatuto do Nascituro

Quem quiser, pode assistir ao áudio da longa sessão de 19/5/2010, em que o substitutivo da relatora foi votado na Comissão de Seguridade Social e Família. O arquivo sonoro encontra-se em http://imagem.camara.gov.br/internet/audio/Resultado.asp?txtCodigo=36569
Os abortistas argumentaram que o artigo 13 do substitutivo, ao oferecer proteção e assistência ao nascituro concebido em um estupro, iria extinguir o (suposto) "aborto legal" (art. 128, II, CP) no país.
Seria de se esperar que os deputados pró-vida replicassem que no Brasil não existe "aborto legal" a ser extinto. Se estivessem juridicamente preparados para o debate, eles explicariam aos adversários que o Código Penal não "permite" (nem poderia permitir sem violar a Constituição) o aborto em caso algum; apenas deixa de aplicar a pena ao criminoso se o crime já foi consumado. No entanto foi desolador presenciar como eles
• concordaram que o aborto legal existe (!)
• e afirmaram veementemente que o Estatuto do Nascituro não revogaria esse "direito" de abortar.

Citarei apenas um trecho da fala do deputado Luiz Bassuma, iniciada às 12h50min daquela sessão:
"As pessoas que quiserem hoje abortar legalmente ou por risco de vida ou por estupro continuam tendo os mesmos direitos. 
[...] 
A mulher continuará a ter o direito, os médicos também, o Código Penal está inalterado. A deputada Solange foi perfeita em seu relatório".
A fala de Luiz Bassuma foi elogiada pelo deputado Miguel Martini. Também a deputada Fátima Pelaes, que surpreendeu a platéia ao declarar-se concebida em um estupro, confirmou o entendimento de Bassuma.
Ninguém, absolutamente ninguém dentre os pró-vida, levantou-se para dizer que o artigo 128 do Código Penal não diz "é permitido" o aborto, mas tão somente "não se pune" e, que, portanto, não existe no Brasil um "direito" ao aborto, que pudesse ser revogado.
Foi aí que ocorreu o gol contra. O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP), com a intenção de acalmar a discussão entre abortistas e pró-vida, sugeriu à relatora que fizesse uma "complementação de voto" a fim de assegurar que o Estatuto do Nascituro não revogaria o suposto aborto "legal" contido no artigo 128, II do Código Penal. Solange Almeida (PMDB/RJ) aceitou a proposta. Fez uma complementação de voto a fim de assegurar – pasmem! – que os direitos do nascituro concebido em um estupro (art. 13 da proposta) não extinguiriam o suposto direito de o médico matá-lo! Os direitos do bebê foram mantidos, porém, "ressalvados (sic) o disposto no Art. 128 do Código Penal Brasileiro". Esse deplorável enxerto, tremendo gol contra feito pelos pró-vida, foi aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família naquela sessão.
O substitutivo da deputada Solange Almeida com a (triste) complementação de voto pode ser visto em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=770928&filename=CVO+1+CSSF+%3D%3E+PL+478/2007

É esse texto que está para ser votado na Comissão de Finanças e Tributação, com uma insignificante alteração

3. A complementação de voto foi inócua?

O artigo 13 do projeto ficou assim: "O nascituro concebido em decorrência de estupro terá assegurado os seguintes direitos, ressalvados o disposto no Art. 128 do Código Penal Brasileiro". Segundo a nota do Brasil Sem Aborto, o acréscimo de última hora feito pela deputada Solange Almeida não trouxe nada de pernicioso para o projeto. O Código Penal não foi modificado e a interpretação do artigo 128 - dizem - continuará sendo a mesma que até hoje se fez.
De fato, a complementação de voto não modifica a letra do Código Penal, mas pode favorecer a interpretação de que o artigo 128 "permite" o aborto. Em matéria de legislação, todo cuidado é pouco. Não basta ser; é preciso parecer. E não basta não ser; é preciso não parecer.
Na hora de interpretar e aplicar o artigo 13 do projeto, o juiz perguntará a si mesmo: qual o sentido da ressalva feita ao elencar os direitos do nascituro concebido em um estupro? E poderá concluir: essa ressalva só foi acrescentada porque a lei quis dar à mãe o direito de abortar. O Estatuto do Nascituro terá servido então - ironicamente - para reforçar a doutrina de que existe um aborto "legal" no Brasil.
Um outro motivo para reforçar essa tese será a história da tramitação do projeto. Quem vir as notas taquigráficas ou o arquivo sonoro da sessão, verificará que a complementação de voto foi introduzida com a intenção precisa de manter o suposto direito de matar o nascituro, como vimos acima.
Mais ainda: bastará ler as notícias da imprensa para verificar que essa foi a interpretação dada pelos jornalistas ao dispositivo. Veja-se por exemplo, a seguinte matéria da Agência Câmara de Notícias, de 19/05/2010: "Comissão de Seguridade aprova Estatuto do Nascituro". Eis o subtítulo: "Texto aprovado não altera artigo do Código Penal que autoriza o aborto em casos de estupro e de risco de vida para a mãe". Eis agora um pequeno trecho da matéria: "Por acordo entre os deputados da comissão, a deputada elaborou uma complementação de voto para ressaltar que o texto aprovado não altera o Artigo 128 do Código Penal, que autoriza o aborto praticado por médico em casos de estupro e de risco de vida para a mãe"Confira-se em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/148018-COMISSAO-DE-SEGURIDADE-APROVA-ESTATUTO-DO-NASCITURO.html
Que se pretende? Que o PL 478/2007 seja aprovado por parlamentares que digam explicitamente que o Estatuto não extingue o aborto "legal"; que a imprensa dê notícia de que a aprovação se deu graças a um acordo para que não fosse extinto o aborto "legal"; e que, na hora de interpretar e aplicar  a lei, o juiz, por um passe de mágica, desconsidere tudo isso e afirme que o aborto "legal" não existe no país?
Claro que não. Muito pelo contrário, mas gol contra se faz sem querer. A vontade era acertar o gol e como o jogador se lamenta...
Mas... como negar que a complementação de voto foi um gol contra o nascituro

4. A propaganda da complementação de voto

Erros todos nós cometemos. O que mais me assusta não é o gol contra. É a não admissão de que o gol contra existiu e - mais ainda - a propaganda desse gol contra.
O Movimento Brasil Sem Aborto está convidando publicamente os cidadãos (e por isso minha resposta é pública) para escreverem aos deputados uma mensagem afirmando o seguinte (confira-se em http://brasilsemaborto.com.br/index.php?action=noticia&idn_noticia=286&cache=0.9422135318163782):
O Substitutivo deste Projeto de Lei em análise na Comissão de Finanças e Tributação NÃO MODIFICA o Código Penal Brasileiro no que se refere à EXCLUDENTE DE PUNIBILIDADE quando a gravidez resultante de violência sexual (estupro). Em relação a esta questão o Estatuto do Nascituro não revoga, portanto, o que está disposto no artº 128 do Código Penal Brasileiro.
Pergunto: por que pôr em evidência essa excludente de punibilidade do artigo 128 do Código Penal? Da maneira como está redigido o texto, os deputados - que não costumam fazer distinções jurídicas - entenderão que a EXCLUDENTE DE PUNIBILIDADE (em letras enormes) significa o direito ao aborto. O que os deputados entenderão dessa mensagem é: vote com o relator, porque o projeto não extingue o direito de abortar uma criança concebida em um estupro.
Uma hipótese - a ser excluída imediatamente - é que a mensagem acima tenha sido escrita para enganar os deputados, ou seja, com a intenção de que eles interpretem a isenção de pena como um verdadeiro e próprio direito de abortar. Mas isso seria uma grande fraude, embora praticada com "boas intenções".
Se o objetivo da mensagem não é enganar os deputados, ela deveria ser mais precisa na explicação. Deveria afirmar que o projeto pretende manter a proibição de a mulher estuprada matar seu filho, embora conserve a não aplicação da pena (escusa absolutória) caso o crime já se tenha consumado. Mas pergunto: o que se lucraria com essa mensagem?
Até agora, por mais que eu me esforçasse, não entendi o motivo pelo qual o Movimento insiste em fazer da complementação de voto da relatora uma arma a ser usada na aprovação do projeto em etapas posteriores.

5. A personalidade do nascituro

Segundo o Movimento Brasil Sem Aborto, a personalidade do nascituro foi reconhecida implicitamente no substitutivo da deputada Solange Almeida, quando afirma no artigo 3º: "Reconhecem-se desde a concepção a dignidade e natureza humanas do nascituro conferindo-se ao mesmo plena proteção jurídica".
De fato, muitos doutrinadores, baseados no fato de que a legislação civil atual reconhece direitos e não meras "expectativas de direitos" ao nascituro, concluem que ele é pessoa. No entanto, o entendimento não é pacífico, pois a primeira parte do artigo 2º do Código Civil diz explicitamente: "A personalidade civil da pessoa começa do seu nascimento com vida". Esse texto, que nega que o nascituro seja pessoa, é a grande arma dos abortistas. Foi usado, por exemplo, para defender, com êxito, o direito de destruir embriões humanos na Lei de Biossegurança (artigo 5º) no Supremo Tribunal Federal (ADI 3510).
O Estatuto do Nascituro não poderia, em hipótese alguma, furtar-se à obrigação de declarar, em alto e bom som, não só que o nascituro tem direitos e dignidade, mas que o nascituro é pessoa, em consonância com o disposto no Pacto de São José da Costa Rica. Essa afirmação estava presente na versão original por mim elaborada. Foi suprimida na versão deformada e não foi restabelecida no substitutivo da relatora.
Se o nascituro não é pessoa, todos os direitos - os já reconhecidos e os que o Estatuto do Nascituro pretende reconhecer - serão considerados meras "expectativas de direitos".
Aflige-me ver como meus amigos são tão pouco propensos a críticas construtivas como essa. Desde 2010 tenho insistido - em vão - sobre a necessidade irrenunciável de o PL 478/2007 reconhecer a personalidade do nascituro.

Conclusão

O Movimento Brasil Sem Aborto causa-me estranheza. Parece que ele se apoderou do Estatuto do Nascituro e não aceita sugestões de quem quer que seja, mesmo que seja de quem tenha sido o seu idealizador. A resistência ao diálogo tem sido a grande dificuldade. Ressalvo, porém, que dentro dele há grandes amigos meus, que agem com boa-fé. Ouso dizer que são a grande maioria.
Creio ainda que nem todos os que assinaram o manifesto contra mim leram cabalmente o que assinaram.
Por fim, de modo algum desejo que essa resposta seja interpretada como uma declaração de guerra àqueles a quem manifestei minha divergência.
Como sacerdote acima de tudo, cidadão e advogado, dedicado de longa data à pesquisa em defesa da vida, vi-me na obrigação de alertar os amigos que, como eu, defendem essa causa. Se for bem entendido, alegrar-me-ei. Se  não for, consolar-me-á a consciência do dever cumprido.
Sempre aberto ao diálogo, subscrevo-me com reverência.

"Coração Imaculado de Maria, livrai-nos da maldição do aborto!".

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
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