André L. Costa-Corrêa[1]
Em recente decisão, a Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça condenou, no REsp 1.467.888, em danos morais o
Padre Luiz Claudio Lodi da Cruz que, em 2005, impetrou um habeas corpus para
preservar o direito à vida de um feto com síndrome Body Stalk – vez que os pais
haviam obtido autorização judicial para a realização de procedimento clínico de
interrupção da gravidez, sob o fundamento de que deveria ser aplicada, ao caso
concreto, de forma analógica, a decisão da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental n. 54, que possibilitou a interrupção da gravidez de fetos
anencéfalos.
Tal decisão se fundamentou na compreensão
de que a impetração do habeas corpus se fez para “medrar, em seara
imprópria, o corpo de valores que defende – e isso caracteriza o abuso de
direito – pois a busca, mesmo que por via estatal, da imposição de particulares
conceitos a terceiros, tem por escopo retirar de outrem, a mesma liberdade de
ação que vigorosamente defende para si”. Compreenderam os Ministros que houve
abuso de direito por parte do impetrante do habeas
corpus e que tal abuso promoveu um
dano moral.
O habeas
corpus é, a mais de 800 anos, uma
garantia “constitucionalmente” instituída para proteger ou afastar possível
violência ou coação contra a liberdade ou locomoção cometida por ilegalidade ou
por abuso de poder. Além disso, a Constituição Federal garante a todos o acesso
ao Poder Judiciário para apreciar possível lesão ou ameaça a direito (art. 5º,
XXXV), bem como assegura o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de
direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder (art. 5º, XXXIV, “a”) e,
também, o contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV).
Assim, qualquer interessado pode propor, em
nome daquele que esteja sofrendo os efeitos da ilegalidade ou do abuso de
direito, um habeas corpus – como, por exemplo, por um Padre
em defesa do direito à vida de um feto quando uma decisão judicial possibilite
a interrupção de sua gestação face uma analogia ilegal e indevida de uma outra
decisão judicial.
Então, o único abuso de direito cometido
foi o promovido pela Turma do STJ que, sob o manto fundamentalista da laicidade
do Estado brasileiro, puniu injustamente alguém que simplesmente exerceu uma
garantia constitucional e buscou, pelo contraditório e ampla defesa, assegurar
a defesa de direitos de um feto face possível ilegalidade ou abuso de poder.
A terrível dor dos pais pela perda de sua
criança ou pela interrupção do procedimento clínico que anteciparia tal
sofrimento não pode possibilitar a inversão dos valores democráticos e o
afastamento de basilares garantias constitucionais – e falo isso após a perda
de 02 gestações – porque não há indenização que recupere um dano ao Estado de
Direito.
Ao condenado, a sociedade deveria dizer: Padre,
perdoe os Ministros da Terceira Turma do STJ, porque eles não sabem o que fazem!
[1] Advogado, professor, conferencista e consultor em direito
público. Coordenador e professor convidado do CEU-IICS Escola de Direito (SP).
Professor e Pró-Reitor de graduação do UNICIESA (AM). Professor e pesquisador
visitante na Brooklyn Law School. Especialista em Direito Tributário pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e pelo CEU-IICS Escola
de Direito (SP). Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC/SP). Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas
(APLJ) – cadeira 26. Membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo, da
International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito
Financeiro e do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO.
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