quinta-feira, 8 de março de 2012

Uso indevido do nome da OAB/GO para defesa da causa abortista

Disponibilizo abaixo o Ofício 001/2012-PVA enviado hoje por fax ao presidente da OAB/GO Dr. Henrique Tibúrcio sobre o "uso indevido do nome da OAB/GO para defesa da causa abortista junto aos vereadores de Anápolis".

O ofício aponta da deficiência de conhecimento jurídico (sobre o erroneamente chamado aborto "legal") manifestada na carta por ele subscrita e enviada aos vereadores de Anápolis em nome da OAB/GO.

Aponta ainda o absurdo de se querer considerar o não-aborto como inconstitucional, por ferir o direito do cidadão à "saúde".

Por fim, aponta a ilegitimidade do presidente da OAB/GO para defender, judicial ou extrajudicialmente, em nome da ORDEM (que congrega advogados pró-vida, como eu) a causa abortista.

Mensagens eletrônicas ao Dr. Henrique Tibúrcio podem ser envidas (sempre com a devida delicadeza) para gp@oabgo.org.br

Permitida a divulgação desde que mencionada a fonte.



Of. 001/2012-PVA

Anápolis, 8 de março de 2012.

Ao Senhor Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Goiás

Henrique Tibúrcio Peña

Rua 1121, nº 200, Setor Marista,

74 175-120 - Goiânia - GO

Assunto: Uso indevido do nome da OAB/GO para defesa da causa abortista junto aos vereadores de Anápolis.

Senhor Presidente

Escrevo na qualidade de advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás, sob o número 26544, na qualidade de eleitor do município de Anápolis e na qualidade de presidente do Pró-Vida de Anápolis, associação cuja finalidade estatutária é “promover a dignidade e a inviolabilidade da vida humana e da família e defender tais valores contra os atentados de particulares ou dos poderes públicos” (art. 1º do Estatuto).

Recebi com espanto a notícia de que Vossa Excelência, juntamente com Sr. Otávio Alves Forte, enviou em nome da OAB/GO o ofício circular n. 005/2012/GP de 27/02/2012 aos vereadores da Câmara Municipal de Anápolis tendo como assunto a “inconstitucionalidade do projeto de emenda que retira o parágrafo único do inciso X do artigo 228 da Lei Orgânica do Município de Anápolis (LOMA)”.

A leitura da carta espanta inicialmente pela falta de conhecimento jurídico. Vejamos.

O parágrafo suprimido pela emenda dizia o seguinte: “Caberá à rede pública de saúde, pelo seu corpo clínico, prestar o atendimento médico para prática do aborto, nos casos previstos no Código Penal” (art. 228, X, parágrafo único). Tal dispositivo, agora revogado, supunha erroneamente a existência de casos em que o aborto é “permitido” pelo Código Penal.

Ora, não é admissível que um advogado confunda a isenção da pena de um crime com a permissão prévia para praticá-lo. No entanto, o ofício enviado por Vossa Excelência, dizia que a retirada de tal parágrafo tinha o “intuito de impedir a rede pública municipal de promover o atendimento de saúde em relação às hipóteses de ‘aborto legal’ (o destaque é do original) previstas no Código Penal (art. 128)”.

Ocorre que em nenhum momento o artigo 128 do Código Penal “legitima” o aborto. Leiamos com atenção:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Segundo o magistério de Ricardo Dip[1],

... a leitura do caput do mencionado art. 128 (“Não se pune etc.”) está, para logo, a sugerir que aí se acham causas isentas de apenamento ou, quando muito, excludentes da punibilidade [...]. Está a cuidar-se das chamadas escusas absolutórias, causas que, excluindo a pena, deixam subsistir, contudo, o caráter delitivo do ato a que ela se relaciona”[2].

Esse é o mesmo entendimento de Maria Helena Diniz:

O art. 128 ,I e II, do Código Penal está apenas autorizando o órgão judicante a não punir o crime configurado, por eximir da sanção o médico que efetuar prática abortiva para salvar a vida da gestante ou para interromper gestação resultante do estupro. Tal isenção não elimina o delito, nem retira a ilicitude da ação danosa praticada. Suprimida está a pena, mas fica o crime[3].

Idêntica é a lição de Marco Antônio da Silva Lemos[4]

Demais disso, convém lembrar, logo de imediato, que o art. 128, CP, e seus incisos, não compõem hipóteses de descriminalização do aborto. Naquele artigo, não está afirmado que ‘não constitui crime’ o aborto praticado por médico nas situações dos incisos I e II. O que lá está dito é que ‘não se pune’ o aborto nas circunstâncias daqueles incisos. Portanto, em nossa legislação penal, o aborto é e continua crime, mesmo se praticado por médico para salvar a vida da gestante e em caso de estupro, a pedido da gestante ou de seu responsável legal. Apenas - o que a legislação infraconstitucional pode e deve fazer, porque a Constituição, como irradiação de grandes normas gerais, não é código e nem pode explicitar tudo - não será punido penalmente, por razões de política criminal.[5]

Muito antes de todos os autores acima, já em 1986 o saudoso Walter Moraes, a maior autoridade brasileira em direitos da personalidade, comentando esse dispositivo legal, dizia de modo lapidar:

“Quanto ao aborto, a lei diz ‘não se pune’. Suprime a pena. Fica o crime”[6].

Poderia ser diferente a interpretação do artigo 128 do Código Penal? Não, sob pena de ele ser fulminado de inconstitucionalidade. Leiamos a brilhante lição de Maria Helena Diniz:

Há quem ache que o art. 128 é uma hipótese de exclusão de antijuridicidade, por conter uma espécie de estado de necessidade ou legítima defesa (CP, art. 23, I e II), ou seja, uma situação eventual, imprevista e não provocada pelo agente. Todavia, pela interpretação desse artigo, fácil é perceber que não se ajusta aos caracteres das excludentes de antijuridicidade. Se assim é, no Brasil não há nem poderia haver aborto "legal", ante o princípio constitucional do direito ao respeito à vida humana, consagrado em cláusula pétrea (CF, art. 5º). Portanto, se o art. 128 do Código Penal estipulasse que não há crime em caso de aborto para salvar a vida da gestante ou de gestação advinda de estupro, estaria eivado de inconstitucionalidade, pois uma emenda constitucional, e muito menos uma lei ordinária, não poderia abrir exceção ao comando contido no art. 5° da Constituição Federal de 1988. É indubitável que o aborto sem pena, previsto no art. 128, é um delito (destaque meu)[7].

Ora, Sr. Henrique Tibúrcio, se o aborto previsto no artigo 128 do Código Penal é um delito[8], como pode o Município atribuir a si a tarefa de cometê-lo?

Em boa ora, a Câmara Municipal de Anápolis, reconhecendo o próprio erro, revogou um dispositivo eivado de inconstitucionalidade, por violar o direito à vida que não pode ser suprimido sequer por emenda à Constituição Federal.

A leitura da carta aos vereadores anapolinos revela, para além do desconhecimento de noções de Direito Penal e Direito Constitucional, algo que eu qualificaria como falta de bom senso. Vejamos.

Não contente em afirmar que o Código Penal dá ao cidadão o direito de matar um inocente sem violar a Constituição, Vossa Excelência afirma que o Município tem o dever de praticar o aborto. E mais: a não-prática do aborto pelo Município é que seria inconstitucional!

Parece incrível, mas é o que eu li na carta: ao não matar uma criança por nascer, o Município estaria ofendendo a Constituição! Mas onde a Constituição manda (ou pelo menos permite) matar crianças? Segundo palavras de Vossa Excelência, que faço questão de transcrever, a não prática pelo Município do erroneamente chamado ‘aborto legal’

... torna-se ofensa à garantia constitucional de todo cidadão de direito a saúde e, ao mesmo tempo, a Municipalidade estará descumprindo o seu dever de garantir a saúde aos seus cidadãos [os destaques são meus].

Ora, Sr. Henrique Tibúrcio, desde quando aborto é “saúde”? Desde quando abster-se de matar um nascituro é não garantir “saúde” aos cidadãos? O nascituro não é, também ele, sujeito de direitos? Não diz o Código Civil que “a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro (art. 2º, parte final)”?[9]

Se Vossa Excelência entende que o aborto é um direito constitucional à “saúde”, não vejo onde podemos parar. Raciocínio análogo poderia levá-lo a defender o abuso sexual de crianças como direito à “liberdade” e a escravidão como direito à “propriedade”.

Por fim, mas não menos importante, espanta-me que Vossa Excelência tenha-se manifestado aos vereadores não em nome próprio, mas em nome da instituição à qual estou inscrito e para a qual contribuo regularmente com as anuidades: a OAB/GO. Ora, entre as finalidades legais e estatutárias da OAB/GO não está a defesa da causa abortista.

Porventura assinei alguma procuração outorgando a Vossa Excelência e ao Sr. Otavio Forte poderes para defenderem em meu nome o aborto diante dos vereadores do meu município? Onde está a legitimidade do Ofício circular n. 005/2012/GP a eles enviado solicitando que, em segundo turno, vetassem a proposta de emenda do nobre vereador Pedro Mariano? Convenhamos que em tal ato houve abuso de poder.

A carta, porém, termina, de maneira indelicada, fazendo uma ameaça aos edis de Anápolis:

“Caso não seja este o entendimento de Vossas Senhorias e o projeto venha a ser aprovado, a ORDEM desde já assume o compromisso social de adotar as medidas jurídicas cabíveis e pertinentes ao assunto, a fim de garantir e assegurar o direito do cidadão anapolino”.

A indelicadeza não atinge somente aos vereadores anapolinos, mas a todos os advogados membros da OAB/GO – e não são poucos – que, como eu, repudiam o aborto.

Vossa Excelência não tem legitimidade para pleitear em meu nome nem em nome de qualquer advogado pró-vida inscrito na ORDEM, o direito/dever de matar nascituros com o dinheiro público.

Se, apesar de tudo, Vossa Excelência resolver ajuizar qualquer ação nesse sentido em nome da OAB/GO, estou disposto a entrar em juízo para questionar a legitimidade.

Parabenizando Vossa Excelência por já ter nascido, subscrevo-me.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

OAB/GO 26544

Presidente do Pró-Vida de Anápolis



[1] Atualmente desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

[2] Ricardo Henry Marques DIP. Uma questão biojurídica atual: a autorização judicial de aborto eugenésico: alvará para matar. Revista dos Tribunais, dez. 1996. p. 531-532.

[3] Maria Helena DINIZ, O estado atual do biodireito, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 55-56.

[4] Juiz de Direito no Distrito Federal.

[5] Marco Antônio Silva LEMOS, O Alcance da PEC 25/A/95. Correio Braziliense, 18 dez. 1995, Caderno Direito e Justiça, p. 6.

[6] Walter MORAES, O problema da autorização judicial para o aborto. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mar./abr. 1986. p.21.

[7] Maria Helena DINIZ, O estado atual do biodireito, 2002, p. 56.

[8] Um tratamento mais amplo do tema pode ser visto em Luiz Carlos Lodi da CRUZ, Aborto na rede hospitalar pública: o Estado financiando o crime, Anápolis: Múltipla Gráfica, 2007.

[9] O nascituro é reconhecido como pessoa pelo Pacto de São José da Costa Rica (cf. art. 1º, n. 2 e art. 3º). Segundo recente entendimento do STF, esse diploma tem status “supralegal”, estando abaixo da Constituição, mas acima de toda a legislação interna (cf. Recurso Extraordinário 349703/RS, acórdão publicado em 05/06/2009).


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